O TRAVÃO DAS EXPECTATIVAS
ARTICLES • 18-12-2015
O TRAVÃO DAS EXPECTATIVAS

Amsterdam, HOLANDA


 

Desde há muito tempo que sou um fiel adepto da gestão por compromisso em vez da gestão de expectativas. A expectativa está na cabeça do outro e inventa promessas que não fizemos. "Sabe, tinha uma expectativa diferente para o seu desempenho... fiquei um pouco desiludido..." "Estava à espera que tivesses a sensibilidade de perceber as minhas necessidades... foi uma surpresa que não tivesses sequer ligado...".
 
 
Pergunta-se pouco pelo que ficou combinado. O acordo é a terra firme, é o ajuste entre imaginários próprios. "Não posso prometer não ser distraído. Não é assim que eu sou. Mas prometo fazer um esforço para prestar mais atenção a estes detalhes." Bem melhor, parece-me. O que está, afinal, dentro da nossa área de controlo? Sermos diferentes de quem somos? O que pedimos dos outros? Que nos prometam o que não está ao seu alcance? Onde fica a área de aceitação do mundo tal como é? Essa parte da equação que tudo simplifica...
 
 
 
Mais ainda: se a expectativa direta é já um problema, o que dizer da nossa expectativa da expectativa dos outros? Poço ainda mais fundo, cheio de mistérios que embora não interessem desvendar, nos ocupam sem fim. Estarão à espera do quê? Será que lhes vai agradar isto? Tem corrido tão bem, que estou com medo de desiludir. E se não for capaz? Se me faltarem as forças? Não sou tão forte como pensam. Também tenho direito a falhar, não? Permitam-me desistir! Claro, mas em quem, senão em nós, reside tal autorização?
 
 
E a adivinha duplica. Se já é mau o outro gerir na adivinha de quem somos e do que somos capazes, pior é gerirmos nós na adivinha de adivinhar essa. Toma o ego o palco, volátil entidade, disforme a tentar ganhar existência... a tentar domar a sua própria existência indefinível. Perdem-se as amarras. E o rumo. Porque agora é um vórtice de confusão, uma dialética de plasma intangível, bueiro sem fundo, espiral-tufão, voraz, insaciável. Nada que pareça beneficiar o que é mais importante e está fora de nós: o bem, o valor, o contributo, a intensidade da ligação, o momento, a eloquência de um silêncio sem justificações, só porque sim, por estar lá, por estarmos cá. Simples e puro.
 
 
 
Acredito que na ausência de ego nascem os melhores feitos. Inspirados somos quando nos tornamos menos identidade e mais "conduentes" - esta palavra não existe, mas é que não lhe arranjo outra. Quero dizer esta coisa de sermos um veículo para algo que não somos nós. De sermos apenas um meio, a permear algo divino, quando não nos esbardalhamos no nosso próprio caminho. Quando quem somos, o que pensam que somos e o que pensamos do que pensam que somos, se perde, se esvai, se dissolve e deixa passar qualquer coisa que não está bem em nós. Algo que é mais. Que é impessoal.
 
 
Na serenidade de não sermos responsáveis por tomar as rédeas de tudo, está o espaço que falta. Livre de expectativas, de palco, de opinião. Apenas ser. Prometo isso: ser apenas.
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 

 


 

 

 

"Ainda Não Tive Tempo" tem sido muito bem acolhido. Se ainda não o folheou, aproveite esta oportunidade... e ofereça-o neste Natal!

Leave a comment:

Name *
E-mail
Message *
Verification