ANO NOVO: VIDA NOVA?
ARTICLES • 04-01-2016
ANO NOVO: VIDA NOVA?

Amazónia, BRASIL


 

 

O tempo, essa ilusão, conta-se no calendário. Marcam-se lá os marcos da estrada, fecham-se os ciclos num virar de página. Desentranha-se o número antigo, escrito todos os dias, aprende-se outro: 2016. Estranho no início, vai também ele tornar-se obsoleto, depois de 366 repetições, este ano mais uma do que é costume. 
 
 
A ano novo chega com uma certa pressa em mandar embora o velho. Cheira a fresco, prontinho a estrear. Como uma prenda que se desembrulha, sente-se no ar a promessa de uma boa surpresa, um sentimento de que tudo é possível com tanto espaço, com tantos dias para gastar. Certamente vai dar para tudo o que antes não coube. Vêm as passas, talvez demasiadas, a pedir desejos, talvez demasiados. Objetivos, que às vezes parecem querer suspender quem somos, para lá chegarmos mais depressa. Corridas que prometem sossego na meta, cobrando paz ao agora.
 
 
Algumas dessas ambições são repetentes, chumbaram no ano passado, quem sabe pela terceira ou quarta vez? Será desta? Para essas me pergunto: se vivemos do sonho, se pelo sonho é que vamos, será vida assim tão nova como isso, se mantemos os desejos que não couberam? Ano novo, vida nova - o que quero sonhar diferente em 2016? O que quero abandonar dos sonhos antigos? O que quero como nova perspetiva de orientação, se vida nova é o que desejo?
 
 
Não temos que querer vida nova. Pode ser boa a que temos. Mas, querendo ou não, olhando mais para dentro, faz sempre sentido perguntar: o que quero sentir mais vezes? O que gostaria de introduzir de novo, no menu das sensações habituais? Ou ajustar na quantidade, seja sentir mais disto, ou sentir menos daquilo?
 
 
 
2015 trouxe certamente peças importantes para a nossa coleção: momentos, abraços, sucessos, progressos, falhanços, tropeções, horas de partilha, em família, entre amigos, à volta de uma mesa, com recém-ex-estranhos à volta de um concerto, com quem quer que seja, à volta de outro símbolo qualquer. O mais importante em colecionar momentos de vida não é bem a entrada no álbum - a fotografia, o vídeo, o "check" na lista de objetivos. Não bastam a certeza e a memória, nem as histórias que ficam. É preciso também a entrega no momento, sintonizada, de amplificador no máximo, refém da pura intensidade criadora da experiência. Sem intenção outra que não a de espreitar o expoente máximo da plenitude, num momento de viagem onde somos apenas partículas de alguma ordem universal simplificadora. Não me refiro ao entusiasmo e à adrenalina do sucesso ou da montanha-russa, antes à tranquilidade pacificadora e exultante de existir em pleno.
 
 
 
O ano novo nunca trará espaço, e ainda bem, para o que parece fazer sentido apenas na lógica, apenas no plano do que é suposto. Desejo que em 2016, uma sensibilidade mais profunda seja a bússola do tempo que vem. Que, em todos esses dias, os mais deles venham sintonizados com quem somos, ao invés de com quem achamos que deveríamos ser, sempre tão aquém, tanto esforço e ainda tão longe esse "chegar lá". Desejo que em 2016 possamos, bem mais vezes do que fizemos em 2015, autorizar-nos a esquecer por alguns instantes todas as corridas que não vêm de dentro, a construir o depois, sempre esse depois, sorvedouro infinito do tempo que nunca chega.
 
 
É que, aí sim, livres, teremos tempo de sobra: por já cá estarmos!...
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 

 

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