A GUERRA DA ATENÇÃO
ARTICLES • 24-02-2016
A GUERRA DA ATENÇÃO

New York, USA


 

 

Muito se fala sobre o nosso atual contexto sobre-estimulado. O efeito disruptivo e improdutivo de centenas de emails, sms's, chats, redes sociais, alertas e bips de toda a espécie, a atuar sobre nós como se fôssemos meros robots: obedecemos respeitosamente a botões pressionados num qualquer controlo remoto do outro lado da linha. Queremos mais, sempre mais. Uma saciedade impossível perto de uma fonte infinita. Faminto o polegar que varre o écran, em ciclo, como um autómato defeituoso, encravado numa rotina repetitiva por erro de programação, girando a roda interminável do "face", do instagram, do youtube, do twitter, do pinterest, ... sempre mais. A todo o momento, agarramos o telemóvel, a ver se alguém se lembrou de nós. A ver se há novidades. A ver se podemos ser úteis em alguma coisa que nos faça sentir menos em falta. A ver se descobrimos mais uma informação preciosa, prémio raro na slot machine, crucial para manter vivo o vício. Talvez um símbolo de esperança? Uma bóia de salvação, que nos tire do marasmo, e nos faça sentirmo vivos, será?
 
 
 
 
As consequências deste paradigma de gestão da atenção são bem conhecidas, começando pela improdutividade associada a longas horas de trabalho. Interrupções que limitam a dose de tempo contínuo que podemos dedicar a um assunto, limitando por sua vez a densidade do nosso raciocínio, que requer tempo para mergulhar. E para vir à tona e mergulhar outra vez. Muita parra pouca uva.
 
 
Como são também bem conhecidas as consequências desse automatismo ao nível interpessoal: uma luta injusta de um filho pela atenção verdadeira de um pai que esgrima sms's com o cliente a desoras. Uma conversa importante de um colaborador com uma chefia, dividida com um email que se escreve nos intervalos do que se acredita adivinhar que o outro vai dizer. Um café entre amigos, fisicamente lá, mas cada um com o seu tamagotchi na mão, carregando, carregando, não vá ele adoecer sem comida ou festinhas...
 
 
 
Sugiro dois pontos importantes de reflexão sobre esta temática.
 
 
O primeiro: entendamos a natureza mecanicista da gestão automática nos nossos recursos mentais, muito menos na nossa mão do que se possa pensar. A resposta à perceção de ameaça ou oportunidade é uma implementação neurobiológica que está na raiz da nossa sobrevivência. Robótica, automática, mecânica, incontrolável. Como tal, manter por perto estímulos a esse circuito e tentar controlá-lo parece-me uma forma pouco eficiente de posicionamento. Desligar sons, bips e alertas, ou mesmo deixar para trás o bicho se vamos apenas tomar café ao parque, tende a funcionar bem melhor. Pelo menos por 15 minutos que seja...
 
 
O segundo: entendamos também que, igualmente por natureza, procuramos utilidade e eficiência. E se a conversa do amigo é chata, lenta e aborrecida, rapidamente sentimos que podemos ir aproveitando e ver se chegou email, adiantar umas respostas rápidas, ver o que diz a Internet sobre aquilo que ainda há pouco discutimos. E será sempre assim até revermos a pontuação dessa função de utilidade: o que vale pontos? Coisas interessantes? Mais tarefas concluídas? Estar mais perto de mais um KPI mensal ou de objetivo de carreira? E isso será importante para quê? Qual o propósito último?
 
 
 
Quando ficar mais evidente que o acesso a registos mentais de serenidade é um poço rico em produtividade, em ideias, em resolução de problemas, em dinâmicas ágeis de reorientação de negócio, em boa liderança, em gestão motivacional, talvez muita dessa sede de velocidade superficial acalme.
 
 
Se e quando revirmos que o propósito último de todos os propósitos é um sentir, é um bem-estar, é uma tranquilidade sossegada carregada de vida ampla, de vivência em cada instante, talvez então os cálculos heurísticos de prioridades se libertem da limitação desses pequenos écrans ditadores e pontuem generosamente aquele instante, único, e seguramente irrepetível, de um abraço forte de um filho, de um olhar presente e compreensivo oferecido a um amigo que desabafa, de uma atenção exclusiva dedicada a uma mãe queixosa a quem sabemos arrancar um sorriso e que, é bom lembrar, não estará cá para sempre...
 
 
 
É num alinhamento mais profundo de valores que reside a possível escapatória à armadilha montada, autêntica roda na gaiola do rato. É em ver mais longe, mais profundo, mais amplo, que podemos colher os benefícios de todas as incríveis ferramentas que temos ao dispôr, sem delas nos tornarmos escravos.
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 

 

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