Há músicos que simplesmente sintonizam com alguma qualquer fonte divina de arte, seja lá o que isso for. Como se fossem meros veículos e por eles passasse alguma torrente de magia, alinhamento com o universo, sintonia cósmica, sei lá...
Sei que alguns desses músicos sintonizados, calham de sintonizar com algumas pessoas em particular. E nessa mistura explosiva de alinhamento qualquer coisa mágica acontece, a um nível visceral, inacessível pelo intelecto. Hipnose. Transe. Lavagem de alma. Uma barragem que se abre. Puro deleite. Uma viagem de sentidos, uma transmissão de aura, uma transpiração de energia, não esforçada, uma torrente fluída de impacto, não intencional, mera consequência de uma fresta de vulcão que se rompe e liberta um imenso todo.
Jamie Cullum em Serralves foi assim. Demolidor. E já foi em finais de Julho, mas quis relembrar. Até porque, recorrentemente, encontro em alguns profissionais que treino, este mesmo acesso a um manancial de energia e impacto que cataliza, que inspira, que mobiliza equipas em torno de um objetivo, sim, mas também em torno de uma sintonia que transmite paz na sua essência. E paz raramente quer dizer devagar. Na verdade, na minha experiência, quer dizer alta intensidade, alta velocidade. Mas depressa sem pressa.
É como se existisse uma espécie de campo eletromagnético ultra potente, e a maioria de nós, insensível a essa força, nos movêssemos por pura força de vontade e disciplina. Depois, vem alguém, que claramente sintoniza com essa fonte, se magnetiza por ela, e acorda em nós uma semelhante sensibilidade, passando a mover-nos com menos esforço, embora mais depressa...
Precisamos mais disto. Precisamos de mais espaço mental. À minha volta, sinto-o consumido. Pela pressa, pela check-list de sucesso. Pela pressão social de sermos não-sei-quem que faz não-sei-o-quê e tem não-sei-quanto dinheiro e que, por isso, diz no manual de instruções, deve ser uma pessoa elegível, finalmente importante e que conhece não-sei-quem que também pertence à lista suprema. Pobres de nós ainda a percorrer o caminho até cumprir a regra. Paz suspensa até lá chegar, que não há tempo a perder na corrida.
E fica a paisagem para depois. Fica o abraço sentido e calmo e lento para depois, que já estou tão atrasado. E fica o silêncio de apenas ver, sem querer mexer, sempre para depois, quando tudo estiver bem conforme.
É tanto o "já" adiado, que quando vemos um puro artista conectar-se com esse "divino", e explodir-nos com ele na cara como se não houvesse amanhã, entregando-se sem pára-quedas à intensidade gigante de ser esse veículo de energia, é impossível ficarmos indiferentes. E, para alguns, os que mais com ele sintonizem, o mote para se entregarem também e...viajarem!
Thank you for the wild trip, Jamie!
Gonçalo Gil Mata
(Foto: Porto, PORTUGAL)