DE ALMA ESPESSA
ARTICLES • 03-03-2015
DE ALMA ESPESSA

Koufonisia, GRÉCIA


 
 
Julgamos saber gerir felicidade.
 
 
E, por medo - como se o medo fosse dono da alma - habituamo-nos a medir expectativas. Porque já sofremos vezes sem conta nos dias em que sonhamos demais, aprendemos a dosear, a refrear os ânimos. À primeira quem quer cai, à segunda só cai quem quer, e à terceira já não voamos tão alto. Até que acaba por dar jeito concluir que talvez nem valha a pena voar de todo. Não se está assim tão mal aqui por baixo. De preferência que não me acenem com o que tenho perdido, que me desassossega a alma. Deixem-me estar quieto.
 
 
Tudo fica mais seguro no nosso canto. Mais cinzento, sem dúvida, mas acima de tudo mais seguro. Chamuscados, já não chegamos tão perto do fogo. E depois de uma discussão sofrida, dissolver um amuo demora mais. Se é que volta a ser como antes. Habituamo-nos a esse desperdício da lentidão. Por ser mais seguro ir devagar. Como um líquido que fica plasma, corre-me espessa a alma nas veias, levando mais tempo a fluir.
 
 
Mas, tempo há tão pouco! Sempre a escorrer-me por entre os dedos, sempre numa despedida saudosa da vida. Numa mudança de casa, ainda agora, dizendo adeus a paredes cheias de descoberta, e logo deixo igual saudade quando levanto vôo ao vir de férias e ao longe para lá da pista ainda se vê um pouco da cidade... que país incrível este! Hei-de cá voltar. Se houver tempo. Será que há? Sinto que me despeço em contínuo de tudo isto, e que acima de tudo me falta o tempo - logo eu, que tanto corro para o agarrar, será por isso?
 
 
Sinto faltar tempo para viver emoções de criança, entregue sem amarras, mas logo vejo que não há como acelerar o coração. Que já viveu muito, diz ele, que sabe demasiado, perdida para sempre a ingenuidade solta de outrora de arriscarmos ligar-nos sem medo de perder. Sem saber como dói perder...
 
 
Ainda acredito que, um dia, sem dar por ela escorre-se-me o medo por entre estes mesmos dedos e viverei novamente sem pára-quedas. Um dia, talvez... enfim, há que dar tempo ao tempo! Afinal, isso do tempo não passa de uma invenção mal acabada...
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 
 
 

 
 

WITH A THICK SOUL

 

We think we know how to manage happiness.

 

And, for fear – as if fear was the owner of the soul – we are used to measure expectations. Because we had suffered time and time again on those over-dreaming days, we learn how to dose, how to curb the tempers. At first only those who want fall, on the second only fall those who want, and by the third we no longer fly so high. Until it’s kind of useful to conclude that it may not be worthwhile to fly at all. After all things are not so bad down here. Preferably don’t show me what I’ve been missing out, it disturbs my soul. Let me be quiet.

 

Everything becomes safer in our corner. More grey, no doubt, but above all safer. Burned, we don’t come so close to the fire. And after a painful discussion, to dissolve a tiff takes longer. If it ever returns to how it was. We get used to that waste of slowness. Because  it’s safer to go slowly. Like a liquid that turns plasma, my soul runs thick in my veins, taking longer to flow.

 

But, there’s so little time! Always slipping away between my fingers, always in a wistful goodbye to life. When moving to a new home, just these days, saying goodbye to walls full of discovery, and soon after the same feeling when I'm on the plane taking off, returning from holidays and far away beyond the track we can still see a little part of the city... what an amazing country this is! I shall return. If there’s time. Will it be? I feel I’m continuously saying goodbye to all of this, and above all that I lack time – me of all people, I who run so much to grab it, is it because of that?

 

I feel I lack time to live childhood emotions, devoted with no strings attached, but I soon realize there’s no way to accelerate the heart. Who already lived a lot, he claims, he who knows to much, the once free ingenuity of risking to get attached without the fear of loss now lost forever. Without knowing how much it hurts to lose...

 

I still believe that, someday, without noticing the fear will slip away between this same fingers and I’ll live again without parachute. One day, maybe... well, we must give time to time! After all, that thing we call time it’s nothing more than an unfinished invention...

 

 

Gonçalo Gil Mata

 
 

 

2 comments
Inês
É mesmo verdade... Parece fácil, mas é o nosso maior desafio e aprendizagem nesta nossa passagem pela terra - gerir o nosso tempo, dando valor ao que realmente importa. Aproveitar cada segundo para evoluir, aprender, viver plenamente... Beijos. Adorei esta tua reflexão :-)
in 2015-03-05 00:06:09
Conceição Gomes
Que metáfora fantástica: a da minha vida.
in 2015-03-04 23:38:07
Leave a comment:

Name *
E-mail
Message *
Verification