RECOMPENSA DIFERIDA
ARTICLES • 06-05-2016
RECOMPENSA DIFERIDA

Rio Paraguai, PANTANAL


 

Era uma vez um rico homem de negócios que tirou umas férias numa remota ilha paradisíaca nas Caraíbas. A certa altura encontrou um pescador local, exímio na sua arte de pesca, e que passava os seus dias sossegado a pescar naquele paraíso. Impressionado, logo tentou convencê-lo a escalar o seu negócio com base na sua notável competência: treinar outros pescadores, melhorar o equipamento, comprar uma frota de barcos, montar um entreposto para exportação, talvez em paralelo entrar na indústria das conservas, enfim... o caminho para ficar rico!
 
- E que faria eu, tão rico? - perguntou o pescador
 
- Rico, poderia fazer o que lhe apetecesse, homem! Por exemplo, poderia passar o dia inteiro sossegado a pescar nalguma ilha paradisíaca nas Caraíbas!...
 
 
 
Não me canso de repetir esta conhecida fábula. Aponta com uma certa elegância e simplicidade para um aspeto estrutural da nossa forma de viver. Vamos dividindo a nossa energia entre dois pólos:
 
1. usufruir de momentos de prazer, ou
2. cuidar de alguns aspetos da nossa infra-estrutura, como por exemplo ganhar dinheiro, que permitam vir a usufruir de momentos de prazer futuros.
 
 
O ideal, sem dúvida, seria que preparar o depois fosse em si prazeroso. Mas nem sempre pode ser assim. Temos que acordar cedo de manhã sem que apeteça, temos que ir ao dentista contra o nosso desejo, temos que levar um bebé a uma vacina dolorosa, temos que levar ao limite as nossas energias, para que o cliente, o chefe, a empresa, os amigos, o jantar, as compras, ou a roupa do dia seguinte fiquem, em si, resolvidos, para que nada descarrile mais tarde.
 
 
Criamos regras internas capazes de suspender prazer para mais tarde aceder a mais prazer. Trata-se do conceito de delayed gratification, ou seja, recompensa diferida, suspensa, prometida para depois. Obrigamos o instinto a ceder, perante uma estrutura lógica de mais alto nível, que planeia e comanda, disciplinadamente.
 
 
Estas regras e normas sociais, culturais, educadas e também auto-desenvolvidas, são o que garante, como diria Steve Pinker, que possamos fazer um vôo de 8 horas enfiados num avião apinhado com outros 150 macacos, sem que se registem incidentes. De facto, uns quantos milhares de anos atrás, isto seria uma fórmula para o desastre: violência, violações e morte sangrenta, seriam o mais provável desfecho da viagem, caso submetêssemos os nossos longínquos antepassados a tal teste de pressão e de escassez de recursos.
 
 
 
Traçar a linha onde esta avançada estrutura intelectual nos é útil, ou onde ela acaba por nos fazer perder de vista, dia após dia, o sentido de tudo, é difícil. A abordagem mais tradicional desta matéria parece apontar para a gratificação diferida como sendo um forte preditor de bons níveis de sucesso "social" (ver the marshmallow experiment), mas a verdade é que novos estudos começam a fraturar esta pré-conceção, com perguntas ainda mais fundamentais: o que é isso de sucesso? serão aquelas pessoas com boas carreiras, saúde disciplinada, hábitos comedidos e "socialmente ajustadas", as reais campeãs da felicidade? terão elas acesso à total palete de experiências e níveis de intensidade possíveis, mantendo ativa uma tal malha de autocontrolo?
 
 
As respostas a estas perguntas ainda constam do segredo dos deuses... 
 
 
Penso que todos concordamos que não cuidar da sustentabilidade futura, não parece auspiciar um amanhã muito interessante. Por outro lado, não convirá manter debaixo de olho as regras em demasia? É que quando elas se multiplicam dentro da nossa cabeça, à procura da fórmula certa para tudo e mais alguma coisa, quando se nos impõem por si só, sem saldos bem apurados, regendo cada instante, nunca permitindo sossegar verdadeiramente, podem bem tornar-se uma eterna falsa promessa de um depois incrível, cujo hoje nunca mais chega...
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 

 

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