Leça, PORTUGAL
Sabemos reconhecer que algo não está bem. Aqui e ali um "quero lá saber", um "já não há paciência", um encanto que se perdeu no copy-paste anual de mais uma festa de Natal. Ou uma intervenção ríspida em reunião a apanhar de surpresa os colegas, qualquer coisa a querer desabafar, como um vulcão contraído, explosão à espreita. Sair da cama custa, mesmo se já terminou a desculpa do frio do inverno. Algo perde sentido.
O que queremos, afinal, de um emprego?
As bases motivacionais que nos mobilizam para manter um emprego podem ser diferentes das que nos mobilizam para nos empenharmos em fazer um bom trabalho. Isto é, o ordenado, o carro, o telemóvel, a cantina, a estabilidade, o horário e a perspetiva de evolução, entre outros, tendem a ser critérios importantes que nos fazem pensar antes de considerarmos abandonar o nosso lugar. Mas não são o que nos faz acordar com entusiasmo!
Projetos interessantes, a noção de estarmos a contribuir com valor para o cliente, a relação com os colegas e (muito importante) com a chefia, a sensação de estarmos a ser reconhecidos, de estarmos a conseguir "ganhar", ter vitórias, aprender, evoluir. Vermos a nossa opinião escutada e considerada, conseguir influenciar a orientação, sentir que os valores culturais alinham com os nossos, que há justiça e que há coerência normativa, isso sim, são ingredientes que fazem a diferença no nosso empenho, na nossa entrega, no ritmo que empregamos em todas essas horas - tantas que são - dedicadas ao "trabalho".
Quando uma parte de nós mais interior, mais entranhada, mais sensorial, nos diz que é tempo de seguir viagem, ignorá-la trará quase inevitavelmente um sentimento de "estou a desperdiçar a minha vida aqui". A segurança de ter emprego estável começa a não bastar. O medo do desconhecido está lá, mas a perder terreno. Acumula-se a energia de querer mudar, saltar, libertar. As notícias artificialmente pessimistas do jornal começam a parecer menos assustadoras do que já foram. Relembramos a história deste amigo e do outro, a quem correu bem a vida quando mudaram, quando se soltaram, quando deixaram a viagem fluir ao ritmo que é o natural. Quase sempre histórias interessantes as de quem mudou e foi à luta, mesmo se não acertou à primeira. Mesmo se o filme, no final, não foi exatamente o previsto. Podemos não saber bem a que ramo nos vamos agarrar ao saltar, mas temos uma vaga noção de que isso ficará mais claro quando estivermos no ar.
Chegado o tempo certo, zarpar do poiso que tem sido o nosso porto seguro quase deixa de ser uma decisão. Passa a ser um facto, uma inevitabilidade. Não é bem uma opção, é apenas o que está certo, o que tem que ser. Contrariá-lo, será negar as evidências, qual avestruz de cabeça na areia, será remar contra a maré. E remar contra a maré cansa...
Sobre isto, parece-me irresistível relembrar Fernando Pessoa:
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
Gonçalo Gil Mata
Mudança é um acto de coragem e determinação. Ajuda no crescimento profissional