O QUE QUERES SER QUANDO FORES GRANDE?
ARTICLES • 05-02-2016
O QUE QUERES SER QUANDO FORES GRANDE?

Sifnos, GRÉCIA


 

 

Parece instalada a perseguição, desde cedo: o que queres ser quando fores grande? A perseguição de um paradigma que facilita a vida: saber o que se quer. Porque, numa lógica bem simplista, se eu souber o que quero, então só tenho que ir a algumas palestras de motivação para levar uma injeção de adrenalina e perseguir esse objetivo desenfreadamente, implacavelmente, vitoriosamente, sob a crença fulminante de que nada é impossível, e de que já muitos fizeram aquilo em que ninguém acreditava.

 

"Preciso de objetivos para perseguir" passa então a ser o foco. Mesmo se, para a esmagadora maioria dos mortais, esses objetivos estão muito pouco claros na esmagadora maioria da sua vida. Oscilam, alteram-se, esfumaçam-se, reaparecem diferentes. Uns são meras memórias de infância, de algo que repetíamos muitas vezes, mas que já nem sabemos se realmente ainda farão sentido exceto por um romantismo ténue, quase vazio, de "ser um sonho de criança" - que raio significa isto? Os mais deles desaparecem por completo numa navegação à vista de puro improviso, arrastada pela maré, dia após dia, no evidente, no rotineiro, naquilo que tem que ser e que está bom de ver não pode ser outra coisa. Mas sem estratégia, sem geniais planos-mestre, sem a grandiosidade de viver mais um capítulo de uma memorável história de herói.

 

É quase alienador. Quem não tem objetivos de vida não pode ser boa gente... Vai lutar por o quê? Como batalhar? Como perseguir? Como conquistar? Haverá lá outra maneira de estar na vida do que esta postura bélica e americanizada de atropelar tudo e todos para chegar sofredoramente a uma meta onde se escreveu a lápis, à pressa: "isto é ser feliz!"...?

 

 

Os objetivos são uma pura ilusão. A sua promessa é, no mínimo, duvidosa, mesmo falsa. Não está paz nessa meta de mais um sucesso, não está sossego no final de cada corrida. Não está alinhamento interior e serenidade existencial e amplificação da intensidade de cada momento, prazer supremo de apenas estar, de nos ligarmos ao que nos rodeia ou ao próximo. Tudo isso existe em nós desde o início. É o nosso default. E a lógica de nos focarmos e preocuparmos num objetivo só acabará por gerar tal ruído mental de sermos ou não capazes ao ponto de nos fazer perder de vista o que já somos: feitos de paz. Não há nada que tenhamos que atingir, conseguir, obter, provar, vencer, para termos bem-estar.

 

 

O que não quer dizer que simplesmente cruzemos os braços e nos forcemos a estar quietos e a não fazer nada. Porque "não fazer nada" não parece, de todo, ser a nossa essência. A nossa essência parece ser viajar, navegar, e sim, brincar às criações, como um par de crianças constrói um castelo na linha das ondas. A feijões.

 

Claro que há regras no mundo da forma, no mundo do dinheiro: as compras de supermercado pagam-se com umas fichas que se ganham gerando valor para alguém. Sem fichas não há compras. Isso será sempre assim. Mas é muito diferente ser guiado a ocupar uma posição numa cadeia de valor social, mobilizado pelo contributo, ou ver aí uma guerra para provar a mim e ao mundo que sou alguém. É que esse perigo de não sermos ninguém não existe. Esse perigo de sermos menos, não adequados, demasiado pobres, demasiado fracos, demasiado gordos, demasiado baixos, demasiado medíocres... nada disso existe. É um mero pensamento.

 

 

Quando constatamos com profundidade que já aqui estamos, que não falta nada, é bem possível seguir o instinto de gerar valor, de construir, de jogar o monopólio que é a vida. Mas sempre a feijões. E seguramente não atrás de objetivos forçados, falsos, impostos, só porque parece mal andarmos a navegar à vista - como se vagabundear mundo fora à aventura fosse mau! É que, não nos esqueçamos: navegar à vista, sem plano, sob um signo de infinita confiança no divino, é o expoente máximo da liberdade...

 

1 comment
Ariana
Curioso... ouvi uma ted talk há dias em que o orador dizia que se pacificou com a ideia de não poder ter sucesso em tudo... e de ou somos bem sucedidos no trabalho ou nas relações... tudo não podia ser! E nos seus textos vejo uma possibilidade de equilibrio, como se não fossem coisas separadas na vida... obrigado..
in 2017-09-14 14:30:02
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