LUA NOVA
ARTICLES • 11-02-2016
LUA NOVA

Alister Crowley's "Moon"


 

 

Sempre que a vida dá as boas-vindas a uma nova fase, pede despedidas em troca. Um preço pago em saudade, que num repente nos assalta. Saudade de um tempo que se deixa para trás. Evitar a tristeza da partida não é bem uma opção: a viagem é a essência da vida, e mesmo se não saímos do mesmo lugar, sempre passa por nós o tempo, tudo mudando.
 
 
Bate-se uma última vez a porta de uma casa vendida, e ela fecha com um estrondo final. A mesma porta mil vezes batida, abrindo agora outras portas para um mundo novo que espera. Mas não fecha sem cobrar saudade. Deu-se antes uma última olhadela às paredes, mais esvaziadas do que é nosso, sim, mas tão carregadas do nosso tempo! Lá pregados ainda e para sempre os quadros que são a nossa memória, projetada nesse cimento que deixou de ser apenas cimento. É vida vivida, é aprendizagem, é crescimento, é a pegada do tempo, do relógio que passa sem parar, sem darmos por ela, apanhando-nos de repente à socapa... trás! Mesmo em cheio, como era tudo tão diferente quando viemos para aqui morar... lembras-te? Que rápido passaram todos estes anos... Foi aqui que nasceu o João, lembras-te? Era tão pequenino...
 
 
 
Todas as fases têm despedidas. Algo que fica para trás. Uma eternidade que se perde no tempo. Na memória para sempre aquele detalhe de uma janela, um momento eterno aqui no sótão naquele dia, uma marca na mármore das escadas a parecer um bicho, todos os dias a parecer um bicho ali naquele degrau, como o conheço tão bem...
 
 
Um último olhar ao prédio, mais uma porta batida uma última vez, fechando um "nunca mais", ainda que na verdade fique o edifício por ali muito tempo, mais longínquo talvez, quando ao passarmos na rua dissermos "já aqui moramos", "bons tempos...", "aprendemos tanto ali naquela janela", "olhávamos para o mundo de outra forma, lembras-te? íamos conquistar tudo...". Retalhos de vida, nesse puzzle sempre em construção, peças pousadas, vividas, fechadas, resolvidas, deixadas para trás, para o sempre e para o nunca mais.
 
 
 
Viagem estranha esta, acompanhada desta saudade de tudo, desta eterna nostalgia. Pesada de símbolos que viajam connosco, que são quem fomos e quem somos. Que fazer desta tristeza da partida? Desta falta que sinto de tudo o que já foi? Como solucionar esta mágoa de alma que no fundo se queixa de não poder viver para sempre, mantendo tudo vivo, tudo eterno, tudo por perto, tudo sem perda, tudo sem despedida...
 
 
Digo eu: para que haveríamos de querer corrigir tal coisa? Essa tristeza é nossa. Pertence-nos essa nostalgia costumeira, companheira de viagem, carregando os nossos souvenirs existenciais, como que a dizer: já estive aí nesse lugar, foi muito bom, mas de olhos postos na próxima aventura. É que a despedida é, no fundo, o cofre da nossa alma. Guarda-nos para sempre o tempo que já foi. Cobrando uma lágrima de quando em vez pelo serviço, qual moeda que põe a girar um carrossel da lembrança: "como foi bom ter vivido isso também!"
 
 
Venham os próximos capítulos, que enquanto cá estivermos, ainda há mais filme a produzir, mais memórias para criar... 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

Hoje (11fev), às 21h15, estarei nos Serões da Bonjóia a apresentar o meu livro "Ainda Não Tive Tempo" e a falar um pouco sobre produtividade, realização e felicidade. Conto convosco!

 

1 comment
sybilla serra
Emocionante o modo como senti este trecho, deixar algo k representou algo positivo ou não para nós, para trás, consegue contribuir muito negativamente num ser já por si deprimido.Fez me chorar 1 pouco mais do k o costume.
in 2016-02-11 22:39:41
Leave a comment:

Name *
E-mail
Message *
Verification