GOLOS DIVINOS
ARTICLES • 11-07-2016
GOLOS DIVINOS

Vulcão Arenal, COSTA RICA


 

Campeões! Já cá canta! Registe-se, para a história. Indelével, segura, esta já ninguém nos tira.
 
 
Passada a natural euforia da vitória, ocorre-me pensar na montanha-russa de emoção que acompanhou o jogo. As expectativas, a incerteza, o suposto favoritismo dos outros, a guardar-nos as costas, caso corresse mal, mas lá no fundo uma fonte sólida de esperança, sempre a brilhar: e se fosse possível? Uma luz que quase dói, pela incerteza, arranhada em cada ataque perigoso do adversário, a assaltar-nos o coração de angústia de cada vez que se aproximam, será desta que marcam? Será desta que levamos aquele soco no estômago ao ver a rede da nossa baliza ondular? E vai uma deles ao poste, foi quase, e vai uma nossa à barra, ai que foi quase, e todos estes "quases" a achocalhar-nos a alma para a frente e para trás, ora vai que já sabias que íamos perder, Portugal é sempre a mesma coisa, ora vem que afinal estamos a aguentar-nos, e afinal já vão 30 minutos e eles nada, e ainda nos estamos a aguentar, depois 40, 50, 60, 70 e não é que ainda não marcaram? E não é que nós também lá fomos fazê-los tremer uma vez ou outra? Ai que nervoso...
 
 
 
Futebol é emoção. Vida é emoção. É permitirmo-nos abanar por dentro, para lá e para cá, é sentir fundo cada "ai, meu deus", a incerteza como pano de fundo, e o sofrimento, essa tão característica relação com o incerto, com o tudo pode acontecer, tão profundamente inculcada num zero a zero interminável, já em pano de fundo a roleta, pior ainda, dos penáltis sempre pronta a arrasar com o coração dos mais sensíveis...
 
 
 
Que se passará cá por dentro? De onde virá esta maré de energia que nos atormenta, para o bem e para o mal? Que guarda em potência tanto lágrimas da cruel desilusão, como explosão eufórica de alegria. O que estará cá por dentro quando bailamos no fio da navalha, qual trapezista em precário equilíbrio? Essa fronteira entre o desconhecido e o que vem depois, quando tudo estiver terminado? Essa barragem que se rompe quando, num rasgo de touro, um dos nossos fura tudo e, num trejeito improvável, faz a magia? O guarda-redes esticado ao comprido e a bola, certeira, no buraco da agulha, entre o poste e aqueles dedos que já não a podem segurar, nunca mais, por muito que tentem. O inacreditável balanço da rede, por trás dele, a engolir a bola para sempre, a gritar aos sete-ventos que entrou, está lá dentro, esse detalhe mágico dos quadrados a serpentear, a aprisionar bem fundo no significado prodigioso de GOLO!!!! A bola ficando lá, sem dúvidas, sem apitos de fora de jogo ou falta, ou anulação de qualquer espécie. A correria desenfreada de quem marcou, e de todos os outros atrás do herói, numa descarga tola de energia, mesmo com tanto jogo já nas pernas, e nós, lá em casa, a não conseguirmos ficar sentados, numa explosão de vontade de correr, saltar, gritar, explodir, sentir.
 
 
 
Porque é isto a vida, é um sentir grande e intenso e fabuloso, mágico, divino, que explode nestes jogos que inventamos que parecem crispar essa linha de separação do "não se sabe" para o "já cá canta". E logo a segurança de um golo nos leva afinal a mais sofrimento, por ter agudizado o ser possível, de mais alto é agora o trambolhão se o deixamos escapar, e por isso o bom vira ainda pior ameaça, seguindo a montanha russa para ainda mais carrossel antes de acabar. Vamos, aguentem, cuidado ali, não, não mandes assim, guarda a bola, cuidado, olha ali, mas que mal, passaram-lhes a bola, cuidado, ai deus me valha que me matam do coração, quanto falta, só 2 de descontos, não está mal, isto ainda vai correr bem, última jogada, ai que marcam, ai que não marcam, é falta, não, é fora de jogo!!!! é fora de jogo!!! yeeeeahhh, só falta um amarelo para o Patrício, vai com calma, homem, não te precipites, e vai, e vai, vai apitar, não apita, então não apita?!, mas o árbitro não tem relógio?! vai apitar, vai apitar, vai apitar, APITOU!!!! YEEEAAAAHHH..... e esta torrente de emoção, que agora tem toda a permissão do mundo e é tanta, e nos enche o coração de transbordar como um enorme tsunami, onde estava presa? Onde estava a pedir autorização para voarmos com ela, para nos agarrarmos e tocarmos e expressarmos todo um ser em festa, para vibrarmos e nos consolarmos nesse alívio da fome suspensa, e nos traz as lágrimas aos olhos e a vontade de ligar a toda a gente, que ganas de abraçar o mundo inteiro, de partihar, de sermos um só, juntos nesta imensa emoção que por tão síncrona é tão magnânime...
 
 
 
Não sei de onde vem tudo isto, todo este combustível, esta magia da nossa experiência. Sei que estar vivo é isto. No futebol, como no nascimento de um filho, numa vitória pessoal, num sonho que se realiza, num momento que nos apaixona. Sofremos, antecipamos, criamos, mergulhados numa incerteza, umas vezes correndo melhores que outras, mas, se nos autorizamos a viver o jogo, sempre cheios desta intensidade de emoção divinamente inspirada que é estarmos vivos e que, no perder e no ganhar, é uma vitória em si mesma!
 
 
Parabéns, PORTUGAL!
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 
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